30 out, 2020 | Antonio Martins | Sem comentários
Caçulinha do sertão, vem conosco festejar
O crepúsculo matutino já andava pincelando de dourando a negritude do
firmamento. A manhã de um novo dia se avizinhava tingindo a abóbada celestial, com cores mais claras, de forma que o longo manto escuro, dantes bordado de estrelas, agora cenário em plena metamorfose, aligeirava-se nas combinações de cores. Na preparação da cena, para um novo ato matinal, o manto azulado já se entendia paulatinamente, projetando-se nas diversas tonalidades, que se reinventavam, produzindo formas e combinações, cada vez mais perceptíveis, moldando a passarela, por onde haveria de transitar a passarada cancioneira, protagonizando o espetáculo de um novo amanhecer.
O frio que é próprio da peleja, entre a indefinição de ainda ser noite ou ser
dia, convidava-me para uma esticadinha naquele sono preguiçoso, que todo bom dorminhoco conhece. Quem não já experimentou essa teimosia, entre o dormir e o despertar?! Que filho, já não se rendeu ao aconchego do frouxel do ninho?! E, por fim, quem já se perdeu ou se encontrou nessa odisseia humana, capaz de dotar qualquer mortal da capacidade alada, em direção ao mundo dos sonhos?!
Sou testemunha viva! No afã, de aproveitar o aconchego do ninho, para dar mais uma esticadinha, a doce tentação me jogou, novamente, nos braços de Morfeu. A rede macia e aquecida, feito colo materno, provou que a tentação mundana existe. Não resisti, entreguei-me aos caprichos de rebento manhoso.
A ilíada me remeteu para uma bifurcação de realidades antagônicas, quando optei por abandonar o transe e abraçar o êxtase. Tornei-me viajor alado, caroneiro nas asas ligeiras do tempo. Na verdade, eu buscava a essência dos deuses, que nos primórdios, quando criaram as pedras, misturaram-na ao magma, feito unção, para depois de solidificadas, erguerem e distribuírem majestosamente os monólitos, da terra da Galinha Choca, uma arquitetura natural, que tornou Quixadá, o berço nascedouro, onde se gera o conhecimento, onde ele habita e se difunde. Um quinhão celeste, em cuja oblação, tornou-se, também, a terra onde mora a felicidade.
A opção pelo êxtase, tornou-me um viajor capaz de fundir tempo, espaço e
enredo. O roteiro da viagem, com direito a paragem, para descanso na Pedra-do-Cruzeiro, conduziu-me para a cidade de Quixadá, o coração do Sertão Central, no Estado do Ceará.
Eu continuava a saga, pela linha do tempo, era dia 27 de outubro de 2019, a comemoração dos sete anos de fundação da Academia Quixadaense de Letras. Quanto orgulho! Eu sendo integrante da agremiação, na qualidade de fundador da cadeira 28, cujo patrono perpétuo é meu pai.
Eu testemunhava, de meu observatório alado, a saga da Academia
Quixadaense de Letras, que depois de fundada, travou uma batalha inconteste, na busca de um teto. Peregrinou pela residência de seus idealizadores, prédio público federal, sendo sufocada pela burocracia estatal, vivendo, inclusive, o calvário do despejo. A agremiação, hoje, comemora seus sete anos de fundação, como “ a fênix do sertão ”, emergindo, sobretudo, das intempéries cronológicas, tendo, atualmente,
como teto, um prédio histórico de Quixadá, a edificação que no passado, gerava a energia que iluminava a urbe. E eu lembrava com clareza de um diálogo travado entre o escritor João Eudes Cavalcante Costa, idealizador da AQL, e o acadêmico Sebastião Diógenes Pinheiro. Em dado momento Dr. Sebastião Diógenes propôs: – “ se no passado o espaço fora fonte geradora de luz, que doravante, por sua nova significação histórica, passe a se chamar de casa luz ”.
O brilhante “ insight ” do confrade, remetia-me para a égide do escudo da
agremiação, cujo lema traz a inscrição – “ lectio hominem iluminat ” – (a leitura ilumina o homem). Se no passado esta casa tivera relevante significação, que doravante possa aspergir saberes e culturas mil; que se torne o porto dos que nela se imortalizaram; que seja estrada com via dupla, permitindo a circulação de seus obreiros, numa dinâmica de ir e vir, partilhando saberes; que a chama de sua flâmula ardente, torne-se o novo farol-guia do conhecimento humano; que suas ações se tornem sementes fecundas, lançadas na terra fértil, tornando-se sal e luz, para os presentes, fermento e esperança para os que hão de vir. Bendita denominação a
Academia Quixadaense de Letras recebeu de seu filho, na pia batismal do saber: “ Casa Luz – lux domus ”.
Despertei, trazendo comigo toda bagagem colhida na viagem, não era sonho, era realidade mesmo! Levantei, pois não me restava alternativa senão proclamar: é tempo de louvação, a Academia Quixadaense de Letras, como porto do conhecimento, sacrário social insigne dos patronos e patronesses, palco de partilhas e o novo celeiro de saberes do sertão central, completa neste dia, sete anos de fundação. Doravante te proclamo como “ Caçulinha do Sertão ”, então, levanta-te e vem conosco festejar!
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